terça-feira, 3 de abril de 2012

A conta, por favor.


É, meu nego, a comunicação entre as pessoas anda cada vez mais complicada... o que é um verdadeiro paradoxo com tantos iphones, ipads, Fake truques da Silva e outras traquitanas com a aptidão inata de se transformarem em lixo tecnológico ao menor piscar de olhos. Mesmo com toda parafernália disponível é comum observar consultórios apinhados de gente problemática e incapaz de estabelecer uma relação saudável entre os seus. Pra resumir: o ser humano tá batendo biela mesmo!

Pois digo com todas as letras que eu, você, o cabra que tá te devendo aquela grana e não te paga, o namorado ausente da menina dos teus olhos e mais uma pá de gente mundo afora tá perdida e não se entende mais. Estão todos tão ligados na filosofia do “farinha pouca, meu pirão primeiro” que, quando precisam interagir com o outro, ficam sem jeito, as mãos balançam inquietas na ânsia de tudo aquilo acabar, tateando o vazio na esperança de encontrar uma saída de emergência emocional. Simplesmente não funcionam como deveriam. Não se permitem ser gente.

Todo este desconforto é perfeitamente compreensível, dada a natureza do homem. Ele é, essencialmente, um ser social, e obviamente não previu os reveses que tanta evolução poderia ensejar. Ninguém, eu digo, ninguém foi preparado pra virar refém da ilusão da individualidade.  Basta olhar ao redor. Depois da internet, nunca mais se ouviu um “eu não sei”, ou “ela me deu um fora”, por exemplo. O que mais se observa ao redor é que há milhões e milhões de gostosões e gostosonas irresistíveis e anônimos, com a boca espumante de certezas, orgulhosos de sua erudição e visão globalizada de mundo, mas que são incapazes de confrontar suas convicções com o mínimo de civilidade sem tremerem nas bases.

Esta proteção que o ambiente virtual oferece cobra um preço alto em troca. Seu efeito colateral mais marcante fica evidente, sobretudo na madrugada, quando é fácil observar janelas e mais janelas acesas nas casas e apartamentos pela cidade, todos vidrados na verdadeira caixa de Pandora que é essa mocinha inocente chamada Internet. O problema é que ela é uma donzela que requer absoluta atenção e não divide o seu (escravo) amor com mais ninguém.

De tão sedutora, quase nos faz acreditar nas nossas próprias projeções. Acolhedora, afável, tem de tudo, até coisas boas a oferecer. Mas quase sempre perdemos o interesse em sua candura. O que queremos desta manceba nada mais é que o seu lado mais sórdido, sujo, obscuro e, porque não dizer, malvado. E ela nos dá. Realiza todas as nossas fantasias e desejos mais incógnitos, engendra-nos em uma teia de aço e megabytes, e entorpece-nos até nos reduzir ao estado de selvageria.

É por isso que atributos como cordialidade, educação e capacidade de se fazer entender andam tão escassos. A tecnologia que deveria unir separa sem dó, e não adianta chiar. E o homem, que sempre se adaptou a tudo, se acostumou com o isolamento que o mata por dentro e lhe rouba a capacidade de sentir. É por isso que o respeito e a afetividade, tão inerentes à condição humana, estão se perdendo. É por isso que se vê tanta gente solitária a confundir a bipolaridade com babaquice crônica. É por isso que há gente que nem ser humano é.

sábado, 31 de março de 2012

O menino e o espelho.


Ando com o peito apertado de saudade. Uma saudade irracional, sem um objeto de afeto que a justifique, ou que ao menos abra o precedente para a elaboração de uma crônica minimamente razoável. Na verdade, tem doído tanto que nem pra escrever eu tenho tido ânimo.

Ninguém gosta da dor, isso é fato. Ainda mais quando ela surge ocasionada por um sentimento débil, sem sustentação ou ao menos uma causa que a valha. Contudo, é preciso que se faça justiça a essa madrasta das sensações humanas. Graças à velha senhora este pobre dublê de cronista pode sair do encapsulamento em que estava enfiado até o talo e subir à tona pra respirar.

É essa a definição. Respirar. Graças à dor, pude reavaliar comportamentos, pensamentos e atitudes que me mantinham em um estado de eterno afogamento. Com tanta coisa acontecendo, acabei por me esquecer das coisas que realmente me fazem feliz e entrei numas de me procurar em rostos e corpos alheios. O que vi foi o reflexo deformado de um cara que eu não conhecia mais.

É. Eu ando com saudade de mim. Mas não do “eu” que me sabota, versão embotada de Mr. Hide, esse “eu” com uma vida secreta. Tenho saudade do menino que não tinha medo de ser sincero, afetuoso, e que acreditava que, com jeito, tudo se resolveria. Sinto saudade de vê-lo com as canelas ruças e poeirentas impunemente a brincar, como se o mundo inteiro se resumisse à sua rua.

Esse menino não existe mais... talvez tenha se cansado de brincar sozinho. Em seu lugar, ficou um homem que esperneia feito peixe fora d’água, e que sofre porque o mundo que ele conheceu não lhe serve mais. Este homem que abriu mão dos desejos de menino pra se transformar em um velho antes do tempo. Um homem perdido entre dois mundos. Ficou a saudade.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O cão, as zebras e o mendigo.



Acordei hoje com uma sensação nova. Enquanto ainda estava no estado em que não mais se dorme, mas ainda não se está acordado, percebi um leve roçar de línguas entre os meus dedos do pé. Foi então que a ficha caiu: minha casa era agora um lar com um cão. Ou melhor, uma cadela. Catita é o nome desta mocinha que chegou a mim graças à bondade de pessoas a quem eu nem mesmo perguntei o nome e sem a ajuda das quais ela já teria virado sabão.

Impressionante é a sua educação. Faz as suas coisinhas sempre na rua _ e eu sempre as recolho_ com classe incomum para um ser de quatro patas. Ela é, sem dúvida, muito mais esperta que algumas “zebras” que conheci pelas minhas andanças mundo afora. Não precisa de muito para viver: só ração, água e muito carinho. E isso eu posso dar.


Fico de queixo caído ao perceber que a única mácula presente, uma cicatriz horrenda, resquício dos maus-tratos sofridos por seu antigo feitor (não, ela não teve um dono) não lhe tira o sono e muito menos o brilho dos olhos. Perto dela, fico com vergonha de reclamar das minhas, que me foram impressas não no meu lombo, mas em algum lugar semelhante ao que chamam de alma, feridas que não só não evitei como ainda por cima as permiti, e por vezes, acredito que até por achar que merecia, gostei. Eu, entretanto, tive poder de escolha e não posso culpar a ninguém. Nem mesmo às zebras.

Quando arroto a minha humanidade aos quatro ventos e me permito o livre exercício do pensar_ navego em minhas sandices, erros e acertos que de uma semana pra cá, tem desembocado em seus olhinhos vívidos e gratos_ escancaro a identidade do verdadeiro ser irracional nessa história. Penso na altivez da minha nova companheirinha, inabalável sob qualquer circunstância, ao contrário da minha.

 Ela, por exemplo, não se intimida com o fato de algumas pessoas dizerem que sou maluco de pôr um animal em casa na situação de penúria financeira em que me encontro e que posso ser confundido com um mendigo por ter uma cadelinha tão esquálida e perebenta, e coisas que tais. Pensando bem, todo Viramundo que se preze tem um pulguento como companheiro de dureza. Eu só torço para que ela tenha espírito de equipe e fidelidade o suficiente para sair em minha defesa e meter os dentinhos na canela do primeiro chato em questão. Se for assim, então tudo bem.


 




Ela infelizmente não sabe ler e nem escrever. Se pudesse, entenderia em um átimo o que essas palavras de novo dono de cachorro não conseguem expressar, por mais profundas que elas arrogantemente teimem em ser e que nem com toda a pompa e circunstância podem ser traduzidas para o idioma au-auês. Ao que parece, o “Grande Arquiteto” dotou os animais com um mecanismo de agradecimento muito mais profundo e singelo que a esnobe justaposição de palavras feita por mim pode explicar.


Ela entende e retribui do jeito dela o significado de uma das mais belas e sobre-humanas palavras. O que este ser me diz em resposta com os olhos, não cabe na palavra “obrigado”. Disto tenho certeza e dou fé. Afinal, os cães, ao contrário de nós, não sabem, não querem e nem precisam fingir gratidão para sobreviver. Os cães não mentem. Já descobriram que vivem melhor desse jeito faz tempo.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Darth Vader Classe C


Locução Off:

Ela vai jogar tudo fora. E vai dar a desculpa de que perdeu a coleção dos Beatles na mudança. Já havia preparado tudo mentalmente. A rainha, que na adolescência foi o sonho de nove entre dez garotos bacanas de seu sistema solar graças às suas curvas generosas, via agora os seus sonhos de miss desmoronarem diante da constatação tardia de que havia afundado a sua alma em uma união desastrosa. Dizia:

--- Isso é que dá ser casada com um MERDA (enfática) de Sith! Anakin, VOCÊ TÁ ME OUVINDO?

Anakin Skywalker, que no exato momento fazia cara de paisagem e prestava atenção à música do Chico que tocava no mp3, respondeu lacônico:

---Hã?

Padmé, revoltada com o, segundo ela, “descaso” do marido, esbravejou:

--- Você tem outra, Kiki. É a única explicação lógica pra você não me querer mais. Puta merda, amor. (CAI EM PRANTO)

---Diz pra mim, benzinho. O que há de errado comigo? Minha unha tá mal-feita? Tá, já sei. É o meu cabelo, não é? A raiz dele já tá gritando, eu sei... KIKI, PELAMORDEDEUS, fala alguma coisa...



--- Locução Off: Vader coça vagarosamente o que os homens costumam coçar, faz uma cara de Ney Matogrosso cantando morena de Angola, dá uma baforada de asa de morcego por dentro da máscara e finalmente diz:


---Chega!

Padmé, embasbacada ao ouvir a sentença, busca uma razão lógica para o rompante que acabara de testemunhar.

--- Mas o que foi que eu fiz?

Anakin liberta as palavras entredentes (enquanto tira uma meleca desagradável e a desova embaixo da poltrona):

O problema tá no que você não fez...

Padmé:

---Não é possível, Kiki! Depois de vinte anos casada, lavando, passando e tomando conta de você... Puxa vida, amor! Abri mão do que eu mais queria na vida (Na juventude, Padmé havia sido eleita “Garota Naboonda”, o que quase lhe rendeu a primeira capa no TRETA) só pra te acompanhar e você me sai com uma dessas... EU NÃO MEREÇO ISSO, TÁ ENTENDENDO?




(Locução Off)
Darth Vader, ao ver o desespero da patroa transfigurado em seu rosto já meio capenga pelo excesso de maquiagem usado ao longo dos anos, respira fundo e se segura pra não dar de mão virada nas fuças daquela a quem ele costumava se referir como “versão mal-diagramada” da fome, “aquela a quem nem o jabba the hutt queria”, e outros adjetivos bem menores, que fique registrado.


De súbito, o capacetudo levanta resoluto (possesso) e desfia o rosário intergaláctico pra cima dos cornos da patroa:

Vader:

--- Quer mesmo saber por que essa bagaça de casamento acabou? Então toma! Nem tomar conta de casa você sabe. Olha só o que aconteceu com a estrela da morte! E essa cicatriz horrorosa que você tem nas costas? Já prestou atenção nas “criança”?

---Seu filho só me dá trabalho. Aquele "minino" só quer saber de cabelinho escovado, penteado de bandinha. Pra piorar tudo, tá de caso com aquele anão verde, como é mesmo o nome dele? Ioga, Yfoda, Iphone, sei lá! Desde que os dois começaram essa sem-vergonhice a mão biônica dele vive com defeito...


--- E a sua filha? Aquilo é uma periguete! A safada vive de rolê com aquele riponga doidão de asa de morcego do Han Solo, dando pinta naquela nave aos pedaços. A pilantra chega tarde da noite, come a comida da casa inteira e depois se tranca pra ouvir Michel Teló naquele headphone medonho dela. Eu não tenho mais estrutura física pra isso!

E Padmé, tomada de sarcasmo:


---Não tem mesmo, seu mané! Esqueceu-se de que Obi-wan te deixou só no cotoco? Quer saber de uma? Acabou mesmo! Não sei onde eu tava com a cabeça quando me deixei levar na conversa de um cara que não tira esse capacete cafona nem pra tomar banho. Já se olhou no espelho, meu filho? Você não tá essas coisas mais não! Tá com essa olheira ridícula e ainda tem a cara de pau de falar da minha cicatriz nas costas... Já olhou pra sua? Essa mesma, nessa careca obscena? Meu filho, alooô, você tá no final de carreira!

Não satisfeita, a manceba ofendida continua:

--- Lá fora é o machão, bufando nesse penico em forma de capacete. Mas lá no fundo nós dois sabemos que essa espada vermelha não pode ver um jedi que já fica de pé. Em casa, nem acender ela acende. Ainda bem que eu tenho o R-2, que resolve qualquer problema. Tudo bem que ele é baixinho e que eu não entendo o que ele diz às vezes, mas ele é muito melhor que você, seu frouxo!


Loc off: A discussão continuou até o momento em que Skywalker, sentindo a força esvair-se pelo seu meio-corpo, chegou à conclusão de que não havia mais nada a ser feito. Vagarosamente, retirou o elmo e o deu com todas as forças na fachada de Padmé, que caiu em uma posição típica de presunto profissional. Calmamente, arrumou as malas, tomou um demorado e revigorante banho, lubrificou as partes, passou a mão no seu Blackberry e fez uma ligação. Do outro lado, uma voz metálica atendeu:

--- Alô?

Vader:

Benhê... sou eu. Acabou.

A voz:

--- Num brinca! Sério?! Ai amor, que bom! Agora a gente vai poder tocar a nossa vidinha, né?

Vader:

---Claro amor! Agora que aquela megera foi pro espaço as coisas vão melhorar. A gente vai poder abrir nossa lojinha de periféricos e passar as férias onde você quiser.



Locução Off: Dizem que depois disso os dois viajaram em uma excursão pelo Caribe. Darth Vader ganha hoje a vida como drag queen e faz shows regulares na Love Story. Todos os anos ele e seu marido viajam para a casa de campo em tattoine para passarem juntos o dia de ação de graças. Ao que parece, tudo correu bem. Os filhos de Darth Vader também encontraram seu caminho. Luke ganha a vida fazendo aparições em convenções nerds fantasiado de jedi e vendendo porções de mid-chlorian só pros chegados. Leia chutou Han Solo e dizem as más línguas que ela foi vista em jantar intimista no Don, em São Paulo, com seu novo amante, o peludo chewbbacca. E, apesar de várias especulações, a identidade do novo amor de Anakin ainda é mantida em segredo. Mas há quem aposte que o dono do coração do ex-malvado é o sonso do C3PO. 




sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

CONFISSÕES DE UM COÇA- NOZES


Era só o que me faltava! Estou aqui de frente para o meu moleschine digital, enquanto o mundo desaba em chuva na rua e eu, pra variar, sem absolutamente nada para fazer. Só de pensar que não terei sobre o que dizer em mais um capítulo da minha saga verborrágica, me acelera a queda dos cabelos. Pensei nos meus inimigos, mas não encontrei em nenhum deles um assunto relevante que pudesse figurar em meu colóquio de coçador de saco vespertino. Do meu trabalho, não tenho sobre o que reclamar e pra falar a verdade, em um país como o Brasil, ventilar esse tipo de chorumela eu acho até cafona.

E se não tenho do que reclamar, o que é que eu faço agora com meu tempo ocioso? A rabugice é algo tão inerente à minha pessoa, que ao menor sinal de que as coisas estão andando bem já começo a ficar preocupado. Pode ser que seja o prenúncio de tempos ruins, estes tempos bons. Se o caro amigo e leitor onanista tiver um mínimo de sinapses sadias, irá compreender que para quem é amargo assim como eu, a felicidade é um estorvo. E eu falo, assumo o que digo e explico os porquês de se abominar os alegrinhos.

Pra começar, todo alegrinho ou é meio falso, ou meio burro. Ou não presta atenção à vida. Deve ser uma questão genética, sei lá. Não quero dizer com isso que ser uma pessoa medianamente feliz não tenha os seus méritos. Pelo contrário. Até admiro quem consegue estabelecer um equilíbrio entre as suas emoções e consegue passar a vida inteira fingindo que é normal, mas confesso que essa espécie de gente anda cada vez mais rara de se ver. Junte-se a isto o fato de que todo alegrinho possui uma disposição irritante para a vida, para a festa e o escambau, sem a menor comiseração (vou aproveitar que essa palavrinha está na moda para usá-la da maneira correta) por quem faz do infortúnio o seu modus vivendi. 

E tem outra: os alegrinhos são à prova de ranhetices. E muito obstinados também. Solitário, um rabugento de carteirinha pode até se dar ao luxo de não ter de provar ao mundo o quão profundo ele o é, de viver a vida inteira assim e nem sequer se preocupar com isso, já que a ninguém ele dará oportunidade para uma eventual averiguação. Agora, quando um desses chatos com sorriso automático na cara consegue romper a paliçada que o protege do medo de ser visto como realmente é_ frágil_ e lhe mostra que a vida pode ser tão ou mais interessante que andar com nuvens na cabeça, o estrago já está feito. O ranheta deixa de ser carranca de São Francisco e passa a ser um alegre bonecão do posto. E o melhor: passa a achar graça em tudo. Até na falta do que escrever.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

O INFERNO SÃO OS LOUCOS

Descobri que vim ao mundo com defeito de fabricação. Parece que exatamente na hora em que estavam dando os retoques finais no papai aqui, algum anjo preguiçoso teve dor de barriga e, obviamente, foi cuidar das suas coisas, largando-me na podre. O lance é que quanto mais o tempo passa, mais certeza disso eu tenho. Acho que me falta um parafuso, ou me sobra, vai saber!

Confesso já ter ficado bastante aborrecido diante dessa situação, mas hoje até que me divirto com a fama. Pensando bem, não é tão ruim ser taxado de tarja-preta, desde que a alcunha me permita obter um mínimo de paz e tranquilidade. Pra ser bem sincero, nem me abalo mais se, por exemplo, algum amigo me pesa a paciência com as brincadeirinhas que só ele e mais ninguém no mundo acha graça. O que não quero é que as poucas amizades que tenho não saiam arranhadas por uma eventual declaração torta, alimentada pela carência de quem - euzinho - não consegue manter a boca fechada quando se deve.

Afora esses “senões”, não vejo problema nenhum em conquistar notoriedade por imposição da camisa-de-força. Para ser bem sincero, eu acho até bom. Gosto de encarar essas experiências do tempo do pijaminha azul, boas e ruins, como parte integrante da formação do meu caráter e por que não dizer, da vontade divina. Acredito que o “Grande Arquiteto” tenha confiado a mim o inglório dom de saber lidar com ela, a loucura. E se querem saber, a gente se dá muito bem.

Por isso, antes que algum engraçadinho comece a balangar os beiços e dê o seu parecer inoportuno e inapropriado ao meu caso sob o ponto-de-vista da psiquiatria, já deixo bem claro: que vá pra puta - que - pariu. A loucura é minha e ponto final. Não perguntei nada a ninguém...

Sou louco, mas não sou burro, se é o que você quer saber. O suficiente para acordar cedo, trabalhar, pagar as minhas contas e não dever nada a ninguém (este tipo também é chamado por alguns de “malandro”); sou do tipo que ainda acredita na própria profissão, que lê o mesmo livro inúmeras vezes, que jura de pé junto que o Brasil ainda vai ser primeiro mundo ou qualquer outro nome que traduza fielmente este sonhado Status quo. Sou louco de amar a mesma mulher todos os dias e de, ao lado dela, encarar o mundo de frente.

Isso é bem diferente de ser burro. Aliás, coitado, justiça seja feita: de burro, o Burro não tem nada. Ser um quadrúpede das orelhas grandes e outras cositas más não o desabona em nada. Pelo contrário. Ele deveria se chamar “Louco”, ou qualquer outra coisa. Burro no sentido orelha-sequiano é outra coisa. E esse, meu nego, nem comer capim sabe.

ORBITANDO

É curioso o fato de que pessoas com quem dividimos uma vida, de repente passam a fomentar animosidades sem pés nem cabeça, fazendo de nós parias aos olhos da sociedade. A força que move o ódio dessas pessoas, a quem apelidei de “zebras”, poderia ser canalizada para outros fins que não a mais despudorada demonstração de despeito, até então jamais vista por este ávido observador do cotidiano. Essas pessoas fantasiadas de bob esponja são na verdade, lulas-moluscos, enfeitados de bijoux tristes que mascaram a sua solidão e sua insatisfação pessoal tripudiando da vida alheia, ao menor sinal de que as suas não andam segundo as suas determinações. O pior é que elas nem tocam clarinete...

É por isso que falo de quem gosto, ou no mínimo, de quem tolero. E o assunto de hoje passa longe de figurar em uma matéria do Discovery channel, meus amigos. Enquanto me dava ao luxo de ter o direito de resposta a uma questão pessoal, buscava nos arquivos da minha calva cabeça alguma referência que alimentasse esse folguedo que o ato de escrever aos domingos se tornou pra mim; qual não foi a minha surpresa quando vi minhas mãos involuntariamente a digitar de modo sôfrego, como se quisessem fazer algum tipo de justiça a esse ilustre personagem da minha vida: o meu pai.

Esse cara de quem falarei nas linhas subsequentes é um sujeito que, nem que eu viva duzentos anos, irei encontrar alguém similar em caráter, hombridade e amor à família. É bom lembrar o tempo em que ele, ainda com a vasta cabeleira encaracolada, me carregava em seus ombros rumo ao futebol semanal. Eu ainda nem fazia ideia do sujeito que viria a ser um dia, mas os valores do meu velho pai já se haviam entranhado na minha personalidade pueril; valores que tento carregar comigo e que me ensinam a viver com um mínimo de sossego.

O maior exemplo que herdei dele foi que “a palavra de um homem é seu maior patrimônio; uma vez que ela perde o peso, pode-se decretar a sua falência moral”. E palavra eu sempre tive. Se eu a usei para o bem ou para o mal, só a minha consciência sabe e só a ela devo satisfações. De gosto musical refinado, com um sorriso de avô gratuito e para orgulho de toda família, trabalhador, muito trabalhador.

Quantos natais e anos-novos eu o vi sair de madrugada para a lida e só voltava de manhãzinha com as orelhas cheias de minério... Quantas privações passamos juntos em prol de uma vida mais confortável... Um homem de idéias originais e de muita visão, mas de coração mole. Adorável em qualquer circunstância, o xodó de minhas ex-namoradas...

O pai sempre foi muito transparente, mas e quanto ao homem? Esse eu ainda estou descobrindo quem é. Para falar a verdade, só consegui ter uma vaga noção de quem é este ser humano no dia em que deixei de ser filho. Essa é mais uma das grandes verdades da vida que combati e que por fim dobrei os joelhos, derrotado e feliz por não ter tido a razão que ansiava na juventude.

Gostaria de lhe dizer, meu velho melhor amigo, que lamento não ter sido mais próximo da sua intimidade o quanto você merecia. Peço perdão por não ter respeitado seus momentos de ser humano frágil e, ainda assim, maravilhoso que o senhor é. Queria que soubesse que o amor filial que sinto pelo senhor nunca morreu, nem mesmo quando cansado, o senhor se recusou a jogar dominó comigo. Nem mesmo quando contra tudo e contra todos, ficou ao meu lado em meu momento mais difícil.

Agora, sinto que meu primeiro vôo solo em direção à minha história é possível e não poderia deixar o senhor de fora dessa conquista. Mesmo que não nos conheçamos mais. Mesmo que o senhor tenha se cansado de me amar. Mesmo que seja para tomar a parte que lhe cabe nessa vitória. Ao menos para que eu possa lhe dizer o quanto eu o amo.