quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O cão, as zebras e o mendigo.



Acordei hoje com uma sensação nova. Enquanto ainda estava no estado em que não mais se dorme, mas ainda não se está acordado, percebi um leve roçar de línguas entre os meus dedos do pé. Foi então que a ficha caiu: minha casa era agora um lar com um cão. Ou melhor, uma cadela. Catita é o nome desta mocinha que chegou a mim graças à bondade de pessoas a quem eu nem mesmo perguntei o nome e sem a ajuda das quais ela já teria virado sabão.

Impressionante é a sua educação. Faz as suas coisinhas sempre na rua _ e eu sempre as recolho_ com classe incomum para um ser de quatro patas. Ela é, sem dúvida, muito mais esperta que algumas “zebras” que conheci pelas minhas andanças mundo afora. Não precisa de muito para viver: só ração, água e muito carinho. E isso eu posso dar.


Fico de queixo caído ao perceber que a única mácula presente, uma cicatriz horrenda, resquício dos maus-tratos sofridos por seu antigo feitor (não, ela não teve um dono) não lhe tira o sono e muito menos o brilho dos olhos. Perto dela, fico com vergonha de reclamar das minhas, que me foram impressas não no meu lombo, mas em algum lugar semelhante ao que chamam de alma, feridas que não só não evitei como ainda por cima as permiti, e por vezes, acredito que até por achar que merecia, gostei. Eu, entretanto, tive poder de escolha e não posso culpar a ninguém. Nem mesmo às zebras.

Quando arroto a minha humanidade aos quatro ventos e me permito o livre exercício do pensar_ navego em minhas sandices, erros e acertos que de uma semana pra cá, tem desembocado em seus olhinhos vívidos e gratos_ escancaro a identidade do verdadeiro ser irracional nessa história. Penso na altivez da minha nova companheirinha, inabalável sob qualquer circunstância, ao contrário da minha.

 Ela, por exemplo, não se intimida com o fato de algumas pessoas dizerem que sou maluco de pôr um animal em casa na situação de penúria financeira em que me encontro e que posso ser confundido com um mendigo por ter uma cadelinha tão esquálida e perebenta, e coisas que tais. Pensando bem, todo Viramundo que se preze tem um pulguento como companheiro de dureza. Eu só torço para que ela tenha espírito de equipe e fidelidade o suficiente para sair em minha defesa e meter os dentinhos na canela do primeiro chato em questão. Se for assim, então tudo bem.


 




Ela infelizmente não sabe ler e nem escrever. Se pudesse, entenderia em um átimo o que essas palavras de novo dono de cachorro não conseguem expressar, por mais profundas que elas arrogantemente teimem em ser e que nem com toda a pompa e circunstância podem ser traduzidas para o idioma au-auês. Ao que parece, o “Grande Arquiteto” dotou os animais com um mecanismo de agradecimento muito mais profundo e singelo que a esnobe justaposição de palavras feita por mim pode explicar.


Ela entende e retribui do jeito dela o significado de uma das mais belas e sobre-humanas palavras. O que este ser me diz em resposta com os olhos, não cabe na palavra “obrigado”. Disto tenho certeza e dou fé. Afinal, os cães, ao contrário de nós, não sabem, não querem e nem precisam fingir gratidão para sobreviver. Os cães não mentem. Já descobriram que vivem melhor desse jeito faz tempo.

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